Em caso sem precedentes na jurisprudência brasileira, a Juíza de Direito Margot Cristina Agostini reconheceu a responsabilidade de transportadora pela inviabilização de 10 embriões, que eram resultado de tratamento de fertilização artificial realizado por casal residente na Comarca de Casca. O ineditismo reside no fato de que o dano foi causado durante prestação de serviço externo, sem ligação com a coleta e manutenção mesmas do material genético.
Na sentença, proferida nesta segunda-feira (9/9), em mais de 40 páginas a magistrada discorre sobre a teoria da perda de uma chance e da analogia do caso com a morte de nascituros para aplicação dos danos material e moral.
Os embriões acabaram inutilizados durante o traslado efetuado pela Internacional Latino Americana de Serviços Ltda., entre a cidade de Santo André, no estado de São Paulo, e a gaúcha Passo Fundo – onde, por opção do casal, o tratamento seguiria. O botijão que continha o material perdeu o nitrogênio líquido usado para manter congelados os embriões congelados. No trajeto teria ocorrido três trocas de caminhão.
Perda de uma chance
A magistrada entende que os ressarcimentos devem ser balizados pela teoria da perda de uma chance. Isto é, os embriões eram, para os autores da ação, uma projeção para o futuro, uma oportunidade de procriação ¿ mas não uma certeza.
“Portanto, do arbitramento das indenizações por danos materiais e por danos morais”, escreveu a Juíza, “a ré será, do todo, condenada a pagar aos autores a porcentagem de 40% – referente à sua chance de êxito caso não houve, esta, sido integralmente perdida por atividade defeituosa da ré.”
Com essa premissa, o dano material ao casal foi fixado em R$ 10 mil, abaixo dos R$ 25 mil pleiteados.
Analogia
Para arbitrar o dano moral, a juíza da Vara Judicial de Casca adotou o chamado sistema bifásico. Na primeira parte, tomou como analogia, na falta de referência na jurisprudência, julgamentos no Superior Tribunal de Justiça envolvendo mortes de nascituros. Nesses casos, o valor médio das indenizações é de R$ 100 mil.
Ainda nessa fase, porém, a juíza entendeu que esse valor-base merecia reparo. Isso porque, embora o interesse jurídico lesado não esteja exatamente no embrião ou no nascituro, mas ¿na legítima expectativa¿ que despertam e que é idêntica, a geração de um filho, há uma sensível diferença.
“Inequívoco é que o nascituro está, em relação a esta [expectativa], consideravelmente mais próximo de concretizá-la ¿ tanto assim que a legislação civilista, ao tratar sobre a personalidade, estima que aos nascituros são reservados determinados direitos”, disse ela.
E continuou: “E é por essa maior expectativa de vida, que há, em relação ao casal que a gerou, uma projeção de sua concretização; uma afeição em relação ao feto concebido. O que não se pode dizer que há em relação aos embriões congelados – essa expectativa não gera, por si só, afeição; não gera vínculo.” Com isso, rebaixou para R$ 70 mil o valor-base.
A seguir, na segunda fase, tratou da das peculiaridades do caso concreto (gravidade do fato, culpabilidade do réu, eventual culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes etc). O valor, finalmente, foi definido em R$ 28 mil (40% do valor-base de R$ 70 mil).
Cabe recurso da decisão.
Fonte: TJRS