Na era da Internet das Coisas, definida como a conectividade de dispositivos à internet e a outros dispositivos, há uma infinidade de “coisas” que interagem com você e obedecem a seus comandos de voz. Mas, ao mesmo tempo, coletam dados que podem ser usados contra você — ou a seu favor — em uma ação criminal. Ou em um processo civil.
Imagine um advogado falando a seu cliente: “Há uma má notícia. Surgiu uma nova testemunha contra você: sua geladeira. Dados coletados por investigadores na geladeira mostraram que você estava em casa na hora do crime”.
Esse diálogo não seria fruto de uma previsão futurística. É um exemplo de atualidade. Durante a ABA Techshow deste ano, a advogada Antigone Peyton, presidente do departamento de propriedade intelectual e tecnologia da banca Protorae Law, e o advogado Bob Ambrogi, blogueiro de tecnologia jurídica do LawSites, deram exemplos de casos da vida real em que a Internet das Coisas exerceu uma influência no julgamento, segundo o Jornal da ABA.
Num dos exemplos, Ambrogi descreveu um caso recente de homicídio em Wisconsin. A vítima era Nicole VanderHeyden, e seu namorado foi, desde o começo, o principal suspeito. Entretanto, ao coletar dados de seu Fitbit, uma “pulseira inteligente” que obtém diversos dados do usuário, os investigadores afastaram as suspeitas contra ele.
Durante as investigações, George Burch se tornou o novo suspeito. Os investigadores retiraram dados de seu Google Dashboard, que o colocaram no local da morte de Nicole, na hora do crime. Eles também acessaram seu histórico de pesquisas na internet, que mostraram que ele havia lido notícias sobre a morte de Nicole 64 vezes.
Por último, Nicole tinha um Snapshot, uma ferramenta de sua empresa de seguros que rastreia os movimentos do carro para dar descontos a bons motoristas. Com essa informação, os investigadores tinham dados sobre os movimentos do carro e outras informações que ajudaram a esclarecer o caso.
Tudo isso levou à condenação de Burch na semana passada. Ambrogi observou que, nesse caso, os dados obtidos foram “corroborativos”, em vez de probatórios. Antigone Peyton acrescentou que essa tecnologia ajuda a contar a história do crime.
Outros casos foram contados. Entre eles, um caso em que o Alexa, um assistente pessoal inteligente que se conecta a dispositivos por comando de voz, “entreouviu um assassinato em Arkansas”. No Canadá, dados do Fitbit serviram para comprovar se a mobilidade e a qualidade de vida do autor de uma ação indenizatória foram impactadas negativamente por um acidente de carro.
Em um caso de processo civil, em 2017, a fabricante do We-Vibe teve de pagar uma indenização de US$ 3,75 milhões a autoras de uma ação coletiva. O We-Vibe é um “brinquedo sexual” inteligente, que excita ao mesmo tempo o clitóris e o ponto G, sem impedir a penetração do pênis. Mas o dispositivo também coleta dados das usuárias através de um aplicativo de smartphone, sem um claro consentimento das pessoas.
No mês passado, outra ação coletiva foi movida contra a Lovense, uma divisão da Hytto Ltd., sediada em Hong Kong, também acusada de violações à privacidade das pessoas através de um brinquedo sexual habilitado por Bluetooth, chamado Lush.
Os dispositivos inteligentes, conectados à internet e a outros dispositivos, estão se tornando, progressivamente, uma nova espécie de provas e “testemunhos” que chegam aos fóruns criminais e civis todos os dias. Em 2017, existiam 8,4 bilhões de dispositivos da Internet das Coisas no mundo, segundo a firma de pesquisa Gartner. Em 2020, serão pelo menos 20,4 bilhões.
A maioria dos consumidores não se dá conta de que seus dados são coletados pelos dispositivos que incluem assistentes digitais, carros, monitores de bebês, geladeiras, sistema de iluminação, portas de garagem e brinquedos sexuais, entre tantas outras coisas. Em outras palavras, qualquer dispositivo inteligente é também um espião.
Os escritórios de advocacia também têm de se preocupar com seus sistemas “maravilhosos”, que ajudam a melhorar o fluxo de trabalho, entre outras coisas. Eles podem, por exemplo, comprometer a confidencialidade advogado-cliente, por coletar dados e torná-los disponíveis a investigações. “Não é o caso de nos tornarmos homens da caverna, rejeitando a tecnologia. Mas precisamos ser consumidores bem informados”, disse Antigone Peyton.
Fonte: ConJur