Não é aplicável a teoria do adimplemento substancial – que visa impedir o uso desequilibrado do direito de dissolução por parte do credor – em contratos de alienação fiduciária.
Foi o que decidiu a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesta quarta-feira (22/2). A decisão é inédita no colegiado.
O entendimento foi fixado no julgamento do Recurso Especial 1.622.555, do Banco Volkswagen, que tentava fazer a busca e apreensão de um carro financiado em 48 parcelas, das quais quatro não foram pagas.
Para a maioria dos ministros, mesmo que 91% da dívida tenha sido paga, a alienação fiduciária é um microssistema que autoriza o credor a ajuizar uma ação de busca e apreensão para recuperação do bem financiado. Pela alienação fiduciária, o bem financiado fica como garantia do banco em caso de inadimplência do consumidor.
O caso envolve a compra de um Gol City 1.0, modelo 2010, que foi alienado fiduciariamente pelo Banco Volkswagen. O crédito de R$ 14 mil seria pago em 48 parcelas de R$ 439. Segundo a instituição financeira, o comprador não pagou as quatro últimas prestações – ficando com um débito de R$ 2.052. Foi então que a empresa requereu a busca e apreensão.
A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com tôdas (sic) as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal. É o que diz o Decreto-Lei nº 911, de 1969.
Foi com o decreto em mente – e a figura da alienação fiduciária – que a maioria dos ministros da Seção entendeu que, neste caso, não caberia a tese do adimplemento substancial. O relator do processo, ministro Marco Buzzi, até pensava ser adequada. Em longo voto, explicou por que o recurso à busca e apreensão era excessivo. Para ele, já que o devedor havia pagado 91,66% do carro, a cobrança pelo que faltava poderia ser obtida de outra forma.
A opção pelo adimplemento substancial, segundo Buzzi, teria a função de preservar a boa-fé da função social do contrato.
“Ainda que vendido o bem e quitada a dívida, o desequilíbrio contratual seria muito grande, já que o consumidor ficaria sem o bem e desprovido de quantia suficiente para compra de outro similar”, afirmou o relator.
O princípio do adimplemento substancial, embora não previsto de maneira explícita pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), repele a resolução do negócio se o adimplemento foi realizado de modo substancial, ou seja, se a parte inadimplida é pequena em relação ao todo.
Voto-vencedor
A maioria dos ministros, porém, não seguiu o voto do relator. O caminho percorrido pela divergência inaugurada pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, que apresentou longo voto, diz que é legítimo o direito do credor, em contrato de alienação fiduciária, se valer da busca e apreensão.
“O Decreto-Lei não tece qualquer restrição à busca e apreensão para sanar a integralidade da dívida. Portanto, é insuficiente que se pague apenas substancialmente o débito”, argumentou.
É que, segundo o artigo 3º do decreto, o proprietário fiduciário ou credor poderá, “desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário”.
“Por mais que pareça brusco, é exatamente esta possibilidade que o sistema jurídico dá para que o credor rapidamente possa reaver o bem e quitar a dívida”, apontou Belize. Para o ministro, uma decisão contrária a essa vai contra o consumidor – já que prejudicaria todo o sistema de financiamento que pressupõe esta garantia quando se trata de alienação fiduciária.
A partir do voto divergente, o placar do julgamento ficou em 6 x 2: seis ministros que votaram pela não admissibilidade do adimplemento substancial nos contratos de alienação fiduciária, contra dois que entendem ser possível esta possibilidade.
Ao se manifestar, a ministra Nancy Andrighi frisou que seu voto – por dar provimento ao recurso da Volks – se dava pela forma como a situação foi posta pelo tribunal de origem, negando seguimento à ação. O tribunal mineiro, lembrou a ministra, deu negativa de trâmite para busca e apreensão e “este ato ofende o acesso ao Judiciário”.
Para Andrighi, a hipótese contrária ao adimplemento substancial deve ser aceita por estar dentro do Decreto-Lei, que trata do microssistema da alienação fiduciária. “Porém, eu penso que em outro momento, em outro quadro fático, nós nos depararemos com a possibilidade da aplicação da teoria sustentada pelo ministro Buzzi”, ponderou.
Desta forma, a maioria da Seção votou por dar provimento ao recurso especial interposto pelo Banco Volkswagen.
Fonte: Jota